Decreto-Lei n.º 305/2009 de 23 de Outubro

 

No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 86/2009, estabelece o regime da organização dos serviços das autarquias locais

 

A estrutura e a organização dos órgãos e serviços autárquicos regem-se actualmente pelo Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de Abril, um diploma com cerca de 25 anos, que hoje se revela manifestamente desajustado da realidade da administração autárquica.

Efectivamente, a consolidação da autonomia do poder local democrático nas últimas décadas, traduzida na forte aposta na descentralização de competências, em vários sectores, para as autarquias locais, pressupõe uma organização dos órgãos e serviços autárquicos em moldes que lhes permitam dar uma melhor resposta às solicitações decorrentes das suas novas atribuições e competências.

Impõe-se, por conseguinte, a adaptação da legislação que regula o funcionamento dos órgãos e serviços autárquicos a novas realidades organizativas, que permitam o exercício das respectivas funções de acordo com um modelo mais operativo. Este objectivo está, aliás, em linha com a reforma da Administração Pública que tem sido empreendida por este Governo.

A modernização da Administração Pública é uma peça essencial da estratégia do Governo de crescimento para o País. No passado já tinham sido feitos todos os diagnósticos, aguardando-se, desde há muito, uma mítica «grande reforma da Administração Pública». Este Governo preferiu o caminho de conduzir um processo reformador feito de passos positivos, firmes e consequentes, para alcançar uma Administração Pública mais eficaz, que sirva bem os cidadãos e as empresas, à altura do que se espera de um Estado moderno. Neste contexto, procura-se que o presente decreto-lei se articule com o conjunto de diplomas relativos à reorganização da Administração Pública central, sem, contudo, esquecer, as especificidades características do exercício de funções nas autarquias locais.

O objectivo da presente revisão é dotar as autarquias locais de condições para o cumprimento adequado do seu amplo leque de atribuições, respeitantes quer à prossecução de interesses locais por natureza, quer de interesses gerais que podem ser prosseguidos de forma mais eficiente pela administração autárquica em virtude da sua relação de proximidade com as populações, no quadro do princípio constitucional da subsidiariedade.

A melhoria das condições de exercício da missão, das funções e das atribuições das autarquias locais, assim como das competências dos seus órgãos e serviços, radicam na diminuição das estruturas e níveis decisórios, evitando a dispersão de funções ou competências por pequenas unidades orgânicas, e no recurso a modelos flexíveis de funcionamento, em função dos objectivos, do pessoal e das tecnologias disponíveis, na simplificação, racionalização e reengenharia de procedimentos administrativos, conferindo eficiência, eficácia, qualidade e agilidade ao desempenho das suas funções e, numa lógica de racionalização dos serviços e de estabelecimento de metodologias de trabalho transversal, a agregação e partilha de serviços que satisfaçam necessidades comuns a várias unidades orgânicas.

O quadro legal em vigor em diversos domínios, como o licenciamento urbanístico, a avaliação de desempenho e o estatuto do pessoal dirigente, propicia a desmaterialização dos processos, a partilha de objectivos, a simplificação administrativa e a adopção de novas formas de relação com os munícipes, pelo que estão reunidas as condições necessárias para se ultrapassar a tradicional pulverização de funções, num quadro em que estas se encontram distribuídas rigidamente por diversas unidades orgânicas que não comunicam entre si e em que é patente a falta de reconhecimento do mérito e do bom desempenho organizacional.

Nesse sentido, procurou-se, através do presente decreto-lei, garantir uma maior racionalidade e operacionalidade dos serviços autárquicos, assegurando que uma maior autonomia de decisão tenha sempre como contrapartida uma responsabilização mais directa dos autarcas.

Por fim, adequam-se os conceitos utilizados no Decreto-Lei n.º 93/2004, de 20 de Abril, à terminologia adoptada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, procurando-se, tanto quanto possível, manter o número de municípios que, ao abrigo da anterior Lei das Finanças Locais, podiam criar cargos dirigentes nas câmaras municipais.

Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias.

Foram observados os procedimentos decorrentes da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.

Assim:

No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 86/2009, de 28 de Agosto, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objecto

O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico da organização dos serviços das autarquias locais.

Artigo 2.º

Âmbito

O presente decreto-lei aplica-se aos serviços da administração autárquica dos municípios e das freguesias.

Artigo 3.º

Princípios

A organização, a estrutura e o funcionamento dos serviços da administração autárquica devem orientar-se pelos princípios da unidade e eficácia da acção, da aproximação dos serviços aos cidadãos, da desburocratização, da racionalização de meios e da eficiência na afectação de recursos públicos, da melhoria quantitativa e qualitativa do serviço prestado e da garantia de participação dos cidadãos, bem como pelos demais princípios constitucionais aplicáveis à actividade administrativa e acolhidos no Código do Procedimento Administrativo.

CAPÍTULO II

Organização dos serviços da administração autárquica

SECÇÃO I

Disposições comuns

Artigo 4.º

Estrutura interna

1 - A estrutura interna da administração autárquica consiste na disposição e organização das unidades e subunidades orgânicas dos respectivos serviços.

2 - Para efeitos do presente decreto-lei, consideram-se:

a) «Unidades orgânicas» as unidades lideradas por pessoal dirigente;

b) «Subunidades orgânicas» as unidades lideradas por pessoal com funções de coordenação.

SECÇÃO II

Reestruturação de serviços

Artigo 5.º

Reestruturação de serviços

O processo de reestruturação de serviços decorre, nos termos do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de Outubro, quando se proceda à reorganização de serviços, e compreende todas as operações e decisões necessárias à concretização das alterações introduzidas nas respectivas atribuições, competências e estrutura orgânica interna.

SECÇÃO III

Serviços municipais

Artigo 6.º

Competências da assembleia municipal

À assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, compete:

a) Aprovar o modelo de estrutura orgânica;

b) Aprovar a estrutura nuclear, definindo as correspondentes unidades orgânicas nucleares;

c) Definir o número máximo de unidades orgânicas flexíveis;

d) Definir o número máximo total de subunidades orgânicas;

e) Definir o número máximo de equipas multidisciplinares, bem como o estatuto remuneratório dos chefes de equipa;

f) Definir o número máximo de equipas de projecto.

Artigo 7.º

Competências da câmara municipal

À câmara municipal, sob proposta do presidente da câmara municipal, compete:

a) Criar unidades orgânicas flexíveis e definir as respectivas atribuições e competências, dentro dos limites fixados pela assembleia municipal;

b) Criar equipas de projecto, dentro dos limites fixados pela assembleia municipal;

c) Criar equipas multidisciplinares, dentro dos limites fixados pela assembleia municipal, e determinar o estatuto remuneratório do respectivo chefe de equipa.

Artigo 8.º

Competências do presidente da câmara municipal

Ao presidente da câmara municipal compete a conformação da estrutura interna das unidades orgânicas e das equipas de projecto e multidisciplinares, cabendo-lhe a afectação ou reafectação do pessoal do respectivo mapa, e, ainda, a criação, a alteração e a extinção de subunidades orgânicas.

Artigo 9.º

Tipos de organização

1 - A organização interna dos serviços municipais deve ser adequada às atribuições do município, obedecendo aos seguintes modelos:

a) Estrutura hierarquizada;

b) Estrutura matricial.

2 - Sempre que seja adoptado um modelo estrutural misto devem distinguir-se as áreas de actividade por cada modelo adoptado, nomeadamente com respeito pelo disposto no n.º 1 do artigo 12.º

3 - Quando seja exclusivamente adoptada a estrutura hierarquizada, e desde que se justifique, com vista ao aumento da flexibilidade e da eficácia na gestão, podem ser criadas, por deliberação fundamentada da câmara municipal, sob proposta do respectivo presidente, equipas de projecto temporárias e com objectivos especificados.

Artigo 10.º

Estrutura hierarquizada

1 - A estrutura interna hierarquizada é constituída por unidades orgânicas nucleares e flexíveis.

2 - A estrutura nuclear do serviço é composta por direcções ou por departamentos municipais, mas correspondendo sempre a uma departamentalização fixa.

3 - A estrutura flexível é composta por unidades orgânicas flexíveis, dirigidas por um chefe de divisão municipal, as quais são criadas, alteradas e extintas por deliberação da câmara municipal, que define as respectivas competências, cabendo ao presidente da câmara municipal a afectação ou reafectação do pessoal do respectivo mapa, de acordo com o limite previamente fixado.

4 - A criação, alteração ou extinção de unidades orgânicas no âmbito da estrutura flexível visa assegurar a permanente adequação do serviço às necessidades de funcionamento e de optimização dos recursos, tendo em conta a programação e o controlo criteriosos dos custos e resultados.

5 - Quando estejam predominantemente em causa funções de natureza executiva, podem ser criadas, no âmbito das unidades orgânicas, por despacho do presidente da câmara municipal e dentro dos limites fixados pela assembleia municipal, subunidades orgânicas coordenadas por um coordenador técnico, sem prejuízo do estabelecido no n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

6 - A estrutura nuclear, bem como os despachos referidos nos n.os 3 e 5, são publicados no Diário da República, sob pena de ineficácia.

7 - A organização por especialidade não deve prejudicar a mobilidade funcional dos dirigentes e do restante pessoal.

Artigo 11.º

Equipas de projecto

1 - A deliberação fundamentada da câmara municipal para a criação de equipas de projecto, no âmbito da estrutura hierarquizada, deve estabelecer obrigatoriamente:

a) A designação do projecto;

b) Os termos e a duração do mandato, com a definição clara dos objectivos a alcançar;

c) O coordenador do projecto;

d) O número de elementos que deve integrar a equipa de projecto e suas funções.

2 - A equipa de projecto considera-se automaticamente extinta uma vez decorrido o prazo pelo qual foi constituída, sem prejuízo de o referido prazo poder ser prorrogado por deliberação da câmara municipal, sob proposta fundamentada do respectivo presidente, a qual deve referir, designadamente, o grau de cumprimento dos objectivos inicialmente estipulados.

3 - Extinta a equipa de projecto, o coordenador do projecto elabora um relatório da actividade desenvolvida e dos resultados alcançados, que é submetido à apreciação da câmara municipal.

Artigo 12.º

Estrutura matricial

1 - A estrutura matricial é adoptada sempre que as áreas operativas dos serviços se possam desenvolver essencialmente por projectos, devendo agrupar-se por núcleos de competências ou de produto bem identificados, visando assegurar a constituição de equipas multidisciplinares com base na mobilidade funcional.

2 - O estatuto remuneratório das chefias é definido por equiparação ao estatuto remuneratório dos directores de departamento municipal ou dos chefes de divisão municipal.

3 - A constituição e a designação dos membros das equipas multidisciplinares e das respectivas chefias, a realizar obrigatoriamente de entre efectivos dos serviços, é efectuada através de deliberação da câmara municipal, sob proposta do presidente da câmara.

4 - Aos chefes de equipa podem ser cometidas as competências fixadas para os titulares de cargos de direcção intermédia, mediante despacho do presidente da câmara municipal.

5 - A deliberação referida no n.º 3 é publicada no Diário da República, sob pena de ineficácia.

SECÇÃO IV

Serviços de juntas de freguesia

Artigo 13.º

Competências da assembleia de freguesia

À assembleia de freguesia, sob proposta da junta de freguesia, compete:

a) Aprovar o modelo de estrutura orgânica;

b) Definir o número máximo de unidades orgânicas flexíveis;

c) Definir o número máximo total de subunidades orgânicas.

Artigo 14.º

Competências da junta de freguesia

À junta de freguesia, sob proposta do respectivo presidente, compete:

a) Criar unidades e subunidades orgânicas flexíveis e definir as respectivas atribuições e competências, dentro dos limites fixados pela assembleia de freguesia;

b) A conformação da estrutura interna das unidades orgânicas, cabendo-lhe a afectação ou reafectação do pessoal do respectivo mapa, e, ainda, a criação, alteração e extinção de subunidades orgânicas.

Artigo 15.º

Organização

1 - A organização interna dos serviços das juntas de freguesia deve ser adequada às atribuições das mesmas e ao respectivo pessoal.

2 - A organização interna dos serviços pode incluir a existência de unidades orgânicas, chefiadas por um dirigente intermédio de segundo grau, desde que estas disponham, no mínimo, de cinco funcionários, dos quais dois sejam técnicos superiores.

3 - Quando estejam predominantemente em causa funções de natureza executiva, podem ser criadas subunidades orgânicas, integradas ou não em unidades orgânicas, desde que disponham, no mínimo, de quatro trabalhadores integrados em carreiras de grau 2 de complexidade.

4 - As unidades orgânicas e as subunidades orgânicas são criadas por deliberação da assembleia de freguesia, sob proposta fundamentada da junta de freguesia.

5 - As deliberações referidas nos números anteriores são publicadas em edital, a afixar nos lugares de estilo da freguesia, sob pena de ineficácia.

6 - Aos cargos de direcção intermédia do 2.º grau das freguesias é aplicado, com as devidas adaptações, o estatuto do pessoal dirigente das câmaras municipais e dos serviços municipalizados.

CAPÍTULO III

Disposições finais e transitórias

Artigo 16.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 93/2004, de 20 de Abril

O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2004, de 20 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 104/2006, de 7 de Junho, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 2.º

[...]

1 - ...

a) ...

b) ...

c) ...

d) (Revogada.)

2 - O cargo de director municipal apenas pode ser criado nos municípios com uma participação no montante total dos Fundos a que se refere o n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, superior a 6 (por mil), ou em municípios com mais de 100 000 habitantes, e o de director de departamento municipal apenas pode ser criado nos municípios com uma participação no montante total dos Fundos superior a 2 (por mil), ou em municípios com mais de 10 000 habitantes.

3 - A estrutura orgânica pode ainda prever cargos de direcção intermédia de 3.º grau ou inferior.

4 - O disposto no n.º 2 não prejudica os lugares criados ao abrigo de legislação anterior.»

Artigo 17.º

Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de Abril, alterado pela Lei n.º 44/85, de 13 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 198/91, de 29 de Maio, pela Lei n.º 96/99, de 17 de Julho, e pela Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, assim como a alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2004, de 20 de Abril.

Artigo 18.º

Regiões Autónomas

O disposto no presente decreto-lei aplica-se directa e imediatamente aos serviços das autarquias locais das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo da possibilidade de introdução de adaptações por diploma próprio, quando exigidas pelas especificidades regionais.

Artigo 19.º

Revisão dos serviços

As câmaras municipais e as juntas de freguesia promovem a revisão dos seus serviços, em cumprimento do disposto no presente decreto-lei, até 31 de Dezembro de 2010.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 3 de Setembro de 2009. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Emanuel Augusto dos Santos.

Promulgado em 13 de Outubro de 2009.

Publique-se.

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

Referendado em 15 de Outubro de 2009.

O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.